12 de ago. de 2015

Marcha das Margaridas: desafio, aos 15 anos, é fim da violência contra a mulher

  • 12/08/2015 06h53 Campina Grande (PB)
Luana Lourenço – Enviada Especial




Inspirada na líder sindical paraibana Margarida Maria Alves, assassinada em 1983 por defender direitos sociais de trabalhadores rurais, a Marcha das Margaridas chega à 5ª edição em uma trajetória de 15 anos marcada por conquistas para as mulheres do campo e algumas frustrações no caminho.

Desde 2000, campesinas, quilombolas, indígenas, cirandeiras, quebradeiras de coco, pescadoras, ribeirinhas e extrativistas do Brasil todo vêm a Brasília em agosto com suas camisetas lilás e chapéu de palha para marchar por igualdade, autonomia e melhores condições de vida e trabalho para as mulheres no campo e na floresta. A marcha, organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com o apoio de outras entidades sindicais, é considerada a maior mobilização de trabalhadoras rurais do país. As margaridas marcharam em 2000, 2003, 2007 e 2011. Elas voltam a ocupar a Esplanada dos Ministérios hoje (12), exatamente 32 anos após a morte de Margarida Maria Alves.
“Há 15 anos, construir uma marcha em Brasília no momento neoliberal que o país vivia foi um ato de profunda ousadia dessas mulheres. Estamos falando de mulheres que moram em lugares distantes, no meio da floresta, nos rincões do Semiárido. Entre essas mulheres estava o maior número de pessoas que passavam fome, o acesso a políticas públicas era muito complicado”, lembrou. “De lá pra cá, algo muito importante aconteceu, colocamos na agenda do Estado brasileiro a necessidade de políticas que estivessem ao alcance das mulheres e homens do campo”, lembra a vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmem Foro, que esteve à frente da organização de duas marchas quando era secretária de mulheres da Contag.
Expectativas
A atual secretária, Alessandra Lunas, diz que a entidade espera trazer 70 mil mulheres à marcha deste ano. Segundo ela, a mobilização chega a um momento de maturidade e autocrítica, com saldo positivo para as margaridas. “Além de ser um marco na história, é nítido o avanço em 15 anos. É impossível falar nas políticas públicas para as mulheres sem falar da Marcha das Margaridas. Ela cria um marco de referência que mostra a importância e a força da unidade de luta das mulheres”, acrescentou.
A união de mulheres tão diferentes, mas com demandas tão parecidas, também chamou a atenção da secretária de mulheres da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Tocantins, Maria Ednalva da Silva, que participou de todas as marchas.
“Sejam mulheres do meu estado ou de outro, a luta é a mesma, o mesmo objetivo, a mesma dificuldade, tudo é comum. A diferença é a forma de trabalhar, umas com a uva, com a maçã, aqui na minha região a gente trabalha com a mandioca, com a fava. A luta em si é pela mesma causa, o mesmo objetivo”, comparou.
A diversidade entre as margaridas também faz da marcha um bom lugar para fazer novas amigas, como lembra a gaúcha Inque Schneider que, este ano, organizou a caravana de 530 mulheres do Rio Grande do Sul a Brasília. “Na primeira vez em que participei da marcha, não conhecia as mulheres nordestinas, foi uma bela interação. A gente começa a entender as mulheres de outros estados, de outras culturas. Nós, do Sul, temos uma cultura mais especifica, então, na primeira vez, fiquei de boca aberta, porque não imaginei que existia tanta diferença em termos culturais”.
Prioridades
Este ano, quando Maria Ednalva e Inque se encontrarem com amigas que fizeram em outras marchas, vão reivindicar – entre outras bandeiras – medidas efetivas de combate à violência contra a mulher; políticas de inclusão produtiva e mais creches na zona rural, temas citados como prioridades por margaridas ouvidas pela Agência Brasil. O caderno de pautas da 5ª Marcha das Margaridas foi entregue ao governo no começo de julho e deverá ser respondido no encerramento da caminhada, em um evento com a presidenta Dilma Rousseff.
“A cada ano, mais e mais mulheres são vítimas de violência. Espero que o governo, que a presidenta Dilma, como mulher, dê respostas mais concretas. Às vezes, a lei chega, mas está no papel, não chega a se concretizar”, reclamou Maria Ednalva, repetindo uma queixa frequente de mulheres de outras partes do país.
Junto com o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, a chegada de unidades móveis de combate à violência contra a mulher no campo é uma das principais conquistas da Marcha das Margaridas em 15 anos, segundo Alessandra Lunas, da Contag. Os ônibus, que circulam pelo interior do país para atendimento de vítimas, reúnem serviços como delegacias, defensorias e atendimento psicológico.
No entanto, como lembra a vice-presidenta da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará, Rita da Luz da Serra, os estados e municípios muitas vezes não têm estrutura para dar continuidade ao atendimento.


“Muita coisa mudou nos últimos anos, com a Lei Maria da Penha, com o pacto de combate à violência do governo federal. O Pará tem duas unidades móveis terrestres para levar às comunidades rurais dos municípios, mas em alguns estados os governos não assinaram o pacto e não o executam. Se a gente ficar de braço cruzado, achando que os governos vão fazer do jeito que a gente quer, não vai acontecer, as mulheres têm que cobrar."
O fortalecimento das experiências da agroecologia e a criação de políticas de inclusão produtiva das mulheres do campo também estão na lista de prioridades da agricultora Adailma Pereira, de Queimadas, na Paraíba.




Mulheres camponesas viajam mais de 40 horas de ônibus para a Marcha das Margaridas, em Brasília. Elas buscam mais representatividade e melhores condições de trabalho e de vida no campo (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
A agricultora Adailma Pereira quer mais oportunidade para vender seus produtos e mais formação para as mulheres camponesasMarcello Casal Jr/Agência Brasil

“Queremos mais oportunidades para botar nosso produto no mercado, ter nossos direitos. Vender sem ter que passar por atravessadores, porque você suou para ter aquele produto. Falta também formação para mulheres agricultoras porque, às vezes, elas têm um terreiro repleto de plantas medicinais, mas não têm formação para saber fazer uma pomada, um medicamento”, reivindicou.
Segundo a diretora de Políticas para as Mulheres Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Célia Watanabe, as margaridas terão respostas para as principais reivindicações deste ano. “Vão ser anúncios ligados a essas áreas, e, independentemente dos temas que elas elegeram, há vários outros pontos relacionados à produção, reforma agraria e ao crédito”, listou, sem dar detalhes. “O governo vai entregar um caderno de respostas ponto a ponto, inclusive para questões que não forem resolvidas até o dia 12, com algumas propostas que continuarão sendo discutidas”, disse.
Agrotóxicos
Apesar de reconhecer e comemorar avanços, há pautas que estão desde 2000 na lista das margaridas sem resposta satisfatória do governo, principalmente as ligadas ao uso de agrotóxicos.
“A questão dos agrotóxicos é um tema que ainda não conseguimos avançar na medida que gostaríamos. Na verdade, gostaríamos que fossem proibidos determinados agrotóxicos que fazem mal à saúde de quem usa no trabalho e de quem come o alimento [produzido com ele]”, reconheceu Carmem Foro.
Além das trabalhadoras do campo e da floresta, que caracterizam a Marcha das Margaridas, a caminhada de cerca de cinco quilômetros deve atrair Marias, Franciscas e Anas de outros movimentos sociais.
“Todas as mulheres que se veem nessa pauta são bem-vindas nessa marcha, entre elas as companheiras urbanas. A marcha não trabalha a pauta apenas para mulheres rurais, quando a gente pauta o enfrentamento à violência, por exemplo, é de todo mundo; a soberania alimentar não diz respeito apenas às mulheres do campo”, destacou Alessandra Lunas, da Contag.

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