10 de ago. de 2015

Fordlândia, um império perdido na Amazônia

Há 70 anos, terminava o plano de Henry Ford de abastecer suas fábricas com borracha produzida no Brasil. Local virou ruína

por Vitor Nuzzi publicado por Rede Brasil Atual.


Fordlândia deixou de existir em 1945
COLIN MCPHERSON / CORBIS / LATINSTOCK
Neste 2015 completam-se sete décadas da ruína de um pedaço de império no meio da floresta amazônica. Era uma área extensa, de aproximadamente 15 mil quilômetros quadrados no sudoeste do Pará, na região de Santarém, a 800 quilômetros de Belém. Foi onde se construiu a Fordlândia, referência ao empresário norte-americano Henry Ford, que planejava estabelecer ali sua base de fornecimento de borracha. A aventura começou em 1927 e terminou em 1945, sem sucesso. A área hoje está em ruínas. No início deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou rapidez ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) no processo de tombamento, mas ambos concordam que isso não será suficiente para recuperar e preservar o local.
Na primeira década do século passado, Henry Ford causou sensação com seu modelo T, pioneiro na fabricação em série. O modelo de produção inovador para a época foi batizado de fordismo. Surgia a linha de montagem. Para os pneus dos automóveis, ele precisava de borracha – e aí surge o projeto da Fordlândia.


O ciclo da borracha no Brasil já estava superado. No início do século 20, quem produzia eram colônias inglesas do Sudeste Asiático. O empresário viu na Amazônia oportunidade de investimento e de fornecimento contínuo e mais barato para seus produtos, fugindo do monopólio britânico. Adquiriu o terreno e, em pouco tempo, criou não apenas uma fábrica, mas uma típica cidade dos Estados Unidos em plena Amazônia, no final dos anos 1920. Uma little town (cidadezinha) à beira do Rio Tapajós, que chegou a ter mais de 3 mil trabalhadores.
Na foto, vila operária em 1933
COLIN MCPHEARSON / CORBIS / LATINSTOCK

Cidade chegou a ter 3 mil trabalhadores, que não se adaptaram ao estilo norte-americano de vida.
A produção da borracha, no entanto, nunca se firmou. As pragas atacaram as seringueiras e as plantações ainda foram transferidas – outra cidade foi erguida, em Belterra, que faz parte do processo de tombamento em análise pelo Iphan. Mas a indústria também já havia descoberto a borracha sintética. O projeto brasileiro perdia sentido.
A empresa teve ainda problemas com seus funcionários brasileiros, ao tentar impor uma cultura norte-americana, que não se limitava ao modelo de produção, e incluía novos hábitos de comportamento e alimentares. Em 1930, por exemplo, houve uma rebelião de trabalhadores, que se batizou de Revolta das Panelas, descrita em detalhes pelo historiador norte-americano Greg Grandin, no livro Fordlândia – Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva, lançado no Brasil cinco anos atrás.

Fascínio e desolação

Sonho amazônico de
Henry Ford deu em nada

FORD MOTOR COMPANY / DIVULGAÇÃO
Segundo a superintendente do Iphan no Pará, Maria Dorotéa de Lima, o processo de tombamento encontra-se “em vias de finalização”, com algumas pendências. Mas os problemas são muitos, acrescenta. “Na prática, quem responde pela gestão local é a prefeitura de Aveiro, pois Fordlândia é um distrito municipal. Porém, trata-se de área da União, o que dificulta a atuação do município no que se refere à fiscalização”, diz Dorotéa, que conta ter experimentado “sensações contraditórias de fascínio e desolação” ao visitar o local. “O desafio está em superar o isolamento e encontrar soluções que associem preservação, sustentabilidade e gestão.”
“Só o tombamento não vai resolver, se não houver outros canais de proteção”, afirma a procuradora Janaína Andrade, do MPF paraense, que vê necessidade de políticas públicas para cuidar efetivamente da área. “A situação é difícil. Com o passar do tempo, as intempéries vêm, e são perdas que não serão recompostas. E não é só esse patrimônio. Assim como na Fordlândia, infelizmente o patrimônio cultural não tem valor. O próprio Iphan não tem estrutura”, lamenta Janaína.
No começo de junho, a procuradora esteve em contato com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), que atua junto com o Iphan no caso. Foi feito um pedido de seis meses para conclusão do inventário. Apesar do prazo elevado, o Ministério Público tende a aceitar, até por uma questão prática: uma possível ação civil pública não teria efeito nenhum, porque não haveria como cumpri-la.
Para Janaína, é preciso tentar despertar a consciência da população. “A sociedade não valoriza o patrimônio que tem lá”, afirma. Uma ideia em estudo, que está sendo discutida com professores da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), é levar um curso de extensão (de Arqueologia) de Santarém para Aveiro, cidade onde fica a Fordlândia, com população estimada em 16 mil pessoas, segundo o IBGE.
Com edição de Fabio Del Porto 

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